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6/25/2024 0 Comentários Pesquisa no Arquivo NacionalNo dia 20/06 parede nossa equipe de pesquisadores foi para o Arquivo Nacional. Selecionamos quase três centenas de fotos que comporão o nosso material de análise de duas pesquisas, a coordenada pela professora Marcella Araujo, realizada no @urbano.ufrj , sobre a construção da Avenida Presidente Vargas; e a pesquisa sobre as demolições de igrejas católicas, coordenada por Rodrigo Toniol, realizada no @passagens.ufrj.
Agradecemos aos técnicos do setor iconográfico do @arquivonacionalbrasil
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6/18/2024 0 Comentários Existe “macumba” na Europa? Sobre as experiências de ser um “macumbeiro abroad”Maria Cecília Cerqueira Graduanda em Ciências Sociais pela UFRJ Pesquisadora do URBANO “A senhora achou que não fosse encontrar a gente aqui, não é? Ainda bem que hoje a senhora viu que estava errada.”. Essa foi a frase dita pelo Caboclo Ubirajara enquanto benzia minha cabeça com sua água sagrada na minha primeira ida a um terreiro de Umbanda na Europa, mais precisamente, em Bruxelas, na Bélgica. Desde que soube da minha ida para um intercâmbio de sete meses no exato país, uma das grandes preocupações era como ficaria as minhas obrigações religiosas longe do Brasil. Onde se comprariam as velas? Onde se encontrariam as ervas necessárias para os banhos de descarrego? Em quais esquinas seria possível fazer um despacho? De fato. Não achei que fosse encontrar terreiros e entidades em um continente que tanto batalhou para erradicar qualquer manifestação de religiões de matriz africana ao longo dos séculos. Por que, afinal de contas... existe “macumba” na Europa? Quando o pesquisador Lucas Marques desenvolve a ideia de “linhas de forças” de Bastide para se referir ao sistema de conexão entre pessoas, entidades, orixás e natureza (MARQUES, 2018, pp. 224), entendemos que apesar da importância territorial para estas interligações e manifestações, o sagrado não se limita à artificiliadidade das fronteiras humanas. Como disse Seu Ubirajara, eu estava errada ao pensar que dentro do continente europeu não se encontraria “macumba”, não se “faria macumba” ou não haveria como alguém “virar no santo”. Se a energia desempenhada por orixás e entidades, como exus e caboclos, estão presentes na natureza, não há lógica em pensar na sua limitação espacial e geográfica e não num agenciamento constante, irrestrito ao espaço-tempo humano. Um terreiro, para além de desempenhar um papel espiritual, também é um centro de sociabilidade, do qual trocas e interações pessoais também são realizadas com outros própositos que não apenas os voltados para o desenvolvimento religioso, como é trabalhado pela pesquisadora Daniela Ferreira Evangelista (2015). Dentro do terreiro de Umbanda aqui em Bruxelas, esta percepção é ainda reinterada quando analisamos o senso de comunidade brasileira formada em seu interior, onde os frequentadores podem não apenas se conectar com a sacralidade, mas também com a sua fonte primordial de cultura, ouvindo as pessoas falarem português, e até mesmo comendo os salgadinhos da cantina durante os intervalos da gira. Mas fato é: se uma religião precisa também de materialidade, como trabalhado por diversos estudos na Antropologia da Religião, ser “macumbeiro” em outro continente não é nada fácil. Apesar de manifestações espirituais não se restringirem às delimitações geográficas, a materialidade necessária para se fazer trabalhos, oferendas e despachos não são encontradas com tanta facilidade, seja em relação às ervas, roupas, velas, comidas ou alguidares. Porém, a importância desses recursos como instrumentos de conexão entre sagrado e mundo material, faz com que a adaptação seja necessária e não a exclusão total da ação. As velas nem sempre são as ideais, a feijoada para Preto Velho não necessariamente será “completa”, os despachos muito provavelmente não ocorrerão nas esquinas, devido ao risco de multas. Mas nada disso é motivo real para deixar de realizar e cumprir as obrigações da “macumba”. Morar em outro país sendo um crente de religiões de matriz afriacana é criar estratégias para burlar a realidade da escassez de produtos utilizados no ethos umbandista e candoblecista, e cada país, cidade e região vão oferecer estes recursos em maiores ou menores quantidades, dependendo de fatores como o próprio tamanho da comunidade brasileira naquele lugar. Como visto, por exemplo, pelas ruas da cidade do Porto, em Portugal, que apesar da forte composição do catolicismo em seu espaço urbano, podemos encontrar lojas de artigos religiosos e produtos naturais comercializando imagens de entidades brasileiras da Umbanda e os orixás do Candomblé, além de centros espíritas e cartazes divulgando limpezas e ajudas espirituais. Ser um “macumbeiro abroad” é constantemente criar estratégias para cultivar a
ancestralidade, as bases religiosas e cumprir as obrigações destinadas a cada indivíduo em um outro lugar que não o país de origem. Engana-se quem acredita que manifestações espirituais possuem fronteiras estabelecidas no mundo dos homens, pois tanto as entidades e orixás, quanto estes próprios homens, constantemente se reinventam e formulam novas estratégias para continuar exercendo e colocando em prática a religião. Referências: EVANGELISTA, Daniele Ferreira. Fundando um axé: reflexões sobre o processo de construção de um terreiro de candomblé. Religião & Sociedade, v. 35, p. 63-85, 2015. MARQUES, Lucas. Fazendo orixás: sobre o modo de existência das coisas no candomblé. Religião & Sociedade, v. 38, p. 221-243, 2018. Luiza Lince - Graduanda em Ciências Sociais pela UFRJ Pesquisadora do Passagens Uma coisa suja, impura, um dejeto, um rejeito, um resíduo, algo que não presta mais, que é inútil. Um lixo. Pode o lixo ser um canal de conexão com o sagrado? “Esconjuro" é o nome dado por Paulo Nazareth à sua exposição na Galeria Praça do maior museu a céu aberto do mundo, o Inhotim. Sua empreitada artística mobiliza novas formas de relação entre indivíduo e terra, sua exposição não se restringe ao espaço delimitado da galeria, mas se expande por meio de outras obras espalhadas por toda a área do instituto. “Esconjuro” é um termo ambíguo, como explicam os curadores Beatriz Lemos e Lucas Menezes. Ao mesmo tempo pode significar maldição e também encantamento. Paulo Nazareth usa o termo como verbo, assim ele faz a ação de abençoar aquilo que produz. A conexão com a natureza é latente no seu trabalho. A exposição teve seu início durante o outono e isso não é coincidência. Durante o ano de 2024 os visitantes poderão apreciar a produção do artista ao longo do outono e primavera, e em 2025, do verão e inverno. Além da clara relação com o meio ambiente, é possível perceber a religiosidade também como pano de fundo da exposição e como elemento constituinte da mente artística de Nazareth. Entre pinturas, recortes, objetos, esculturas e performances, é o lixo coletado pelo artista para construir "Iemanjá" que chama a atenção. Barcos-oferendas para a orixá de diversos tamanhos e materiais são expostos em conjunto a fim de compor a obra. Pode o lixo ser arte? Alguns outros artistas já nos responderam que sim. Mas pode o lixo ser arte sacra? O lixo, algo impuro, pode ser sagrado? Quando fala-se em "lixo sagrado" se abre um mar de interpretações sobre o que isso significa. Na Antropologia da Religião o conceito é frequentemente usado para designar estatuetas quebradas, tijolos e azulejos remanescentes de igrejas demolidas, rasgos de escrituras canônicas, restos de despachos e por aí vai. Isto é, símbolos religiosos concretos que por algum motivo sofreram avaria. São materialidades corrompidas. "Lixo sagrado"* sempre aparece como aquilo que sobra de algo que, um dia, quando ainda estava inteiro, era divino. Mas que, a partir do momento em que é deteriorado, que se torna lixo, perde uma parte da aura. E aí nós, os humanos, ficamos duvidosos sobre qual destino dar a essas coisas, afinal, elas são um pedaço da nossa conexão com o espírito, elas ainda carregam uma energia sobrenatural. O que Paulo Nazareth faz por meio da arte é apresentar o caminho inverso: não é um item sagrado que se torna lixo. Na verdade, é um lixo que se torna item sagrado. Sua obra "Iemanjá" apresenta uma série de barcos-oferendas coletados pelo artista em lagos e rios. O acervo está em construção, é uma obra ainda inacabada. Paulo Nazareth chama de "arte preceito" porque tem tempo determinado de desenvolvimento: 2033, no aniversário de dois mil anos da morte de Jesus Cristo. A brincadeira com o entrecruzamento de crenças é mais uma forma de mobilizar a fé como esse elemento que o constitui enquanto artista. Dentre os barcos-oferendas expostos por Nazareth, podemos observar pedaços de isopor, embarcações de brinquedo de tamanhos variados (feitas de plástico), um chinelo havaianas com um longo prego fincado nele, tábuas de madeira com espetos e retalhos, uma garrafa com uma caneta, um pote de sorvete com um pedaço de toalha preso a ele com ferro e arame e um galão de produto químico com uma tampa plástica espetada nele sustentada por um palito de churrasco. Tudo remetendo a barcos a vela. Além, é claro, dos tradicionais barcos-oferendas feitos de madeira. Fato é que elementos físicos religiosos servem como um canal espiritual com o divino. Objetos materiais funcionam como tíquetes, como bilhetes, como Passagens para esse portal de acesso à espiritualidade. Velas, incensos, escrituras, indumentárias, sacrifícios, imagens; todas essas materialidades são carregadas de sentido para aquele que crê. Ora, se os barcos-oferendas coletados por Nazareth são confeccionados com o objetivo de estabelecer contato com Iemanjá, não seriam eles também materialidades sagradas, ainda que provenientes de resíduos? O objetivo do artista é promover a reflexão sobre como o indivíduo se relaciona com a terra, sobre como ele a enxerga e qual o tratamento que dá à ela. De muitas formas esse debate se estende em suas produções expostas, mas é em "Iemanjá" que o artista inverte o questionamento da Antropologia sobre algo sagrado poder se tornar lixo. Pode o lixo se tornar sagrado? Essa é a pergunta que ele possibilita que seu observador faça.
Apesar de alguns outros artistas (o português Bordallo II e o brasileiro Vik Muniz, por exemplo) já terem atestado que lixo pode ser arte, Paulo Nazareth possibilita o flerte despretensioso entre Arte e Antropologia e, ainda que ele próprio não se dê conta disso, nos prova que lixo, além de arte, também pode sim ser sagrado. ____ * A noção de lixo sagrado aqui mobilizada foi inspirada em: Stengs, I. (2014). Sacred waste. Material Religion, 10(2), 235–238. https://doi.org/10.2752/175183414X13990269049482 5/24/2024 0 Comentários Pé de Passagens e roteiro afroNa segunda-feira, a equipe do Passagens saiu às ruas para conduzir uma turma da Escola de Letramento Racial da Casa Preta, projeto do @redesdamare, em uma caminhada pela cidade. O tema, desta vez, foram as presenças e ausências das religiões afro-brasileiras entre as praças, ruelas e becos que percorremos durante a tarde. Começamos nosso circuito na I. de Nossa Senhora da Lampadosa, na Av. Passos. Lá, fomos recebidos pelo Maurício, provedor da Venerável Confraria de Nossa Senhora da Lampadosa, que nos conduziu entusiasticamente através dos altares, do velário e do cemitério da construção do século XVIII. Em seguida, na I. de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos, na R. Uruguaiana, discutimos a história do templo erguido por alforriados e escravizados no século XVIII e o estabelecimento, na década de 60, do Museu do Negro no seu coração.
Depois, partimos para o Beco do Rosário, situado no flanco da I. de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos. Em meio ao fluxo vigoroso de transeuntes e veículos, recuperamos o nome de batismo do local, R. da Viela, e chamamos atenção para as barracas para consultas e venda de ervas que enriquecem suas curvas. na R. do Ouvidor, retornamos à Machado de Assis. Em um conto de 1873, o escritor dedicou algumas linhas à célebre rua de vitrines reluzentes: “A Rua do Ouvidor resume o Rio de Janeiro. [...]. Uma cidade é um corpo de pedra com um rosto. O rosto da cidade fluminense é esta rua, rosto eloquente que exprime todos os sentimentos e todas as ideias…”. Por fim, nosso circuito chegou ao fim aos pés da estátua de José Bonifácio. Antes uma lagoa, o Largo de São Francisco ganhou forma em 1742 para abrigar uma catedral que nunca foi construída. Agradecemos aos alunos pela escuta interessada e ao Rodrigo e à Millena, da equipe da Casa Preta, pela parceria. Esperamos vê-los novamente em breve! Fonte: “Tempo de crise”, por Machado de Assis. Publicado originalmente no Jornal das Famílias, abril de 1873. 5/4/2024 0 Comentários Biblioteca NacionalHá alguns dias, a equipe do Passagens atravessou a Praça Floriano, no Centro da cidade, para prestar uma visita à imponente Fundação Biblioteca Nacional. Prestes a completar 214 anos de existência em outubro deste ano, a instituição reúne, restaura, preserva e disponibiliza ao público uma vastidão de periódicos, cartas, mapas, obras literárias, plantas e outros registros que proliferam-se aos milhões. Ao nos aventurarmos pelos corredores ricamente ornamentados da construção sob as instruções de uma guia, pudemos espiar como alguns destes registros transitavam das estantes às mãos de visitantes interessados. Ao cabo do roteiro de visitação, por sorte, esbarramos ainda em uma exposição da casa, “Uma janela para o Armazém de Periódicos”. Como capturamos nas fotografias acima, as publicações seriadas como as revistas de quadrinhos, os anuários ou jornais, por exemplo, é que tornaram-se protagonistas da iniciativa. O Passagens agradece à equipe da Fundação Biblioteca Nacional pela recepção cuidadosa e recomenda que também o leitor se aventure em uma excursão gratuita. A instituição está de portas abertas de segunda à sexta para visitas com guias, consultas ao acervo ou passeios pelas exposições. Fonte: Portal da Fundação Biblioteca Nacional 5/4/2024 0 Comentários São Vicente de ItabiritoA Igreja do Morro de São Vicente de Itabirito, em Minas Gerais, só podia ser alcançada sobre o dorso de um cavalo. Quando o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) decidiu inventariá-la, então, encontrou-a no coração de um “roçado” de poucos casebres e lavradores. Era 1944. Erguida no século XVIII, a Igreja de São Vicente exibia um aspecto bastante “simples”, sendo repleta de ex-votos mas vazia de “imagens e móveis”. O técnico do SPHAN responsável pelo seu inventário relatou que estas peças teriam sido levadas por “colecionadores”, “ambulantes” ou moradores do local, agora convertidos em “verdadeiros negociantes [das] antiguidades” da Igreja de São Vicente.
Mas o templo estava ruindo. Em 1953, seu tombamento foi formalizado com promessas de restauração: seu valor histórico e artístico justificaria as obras, compreendeu o SPHAN. Contudo, se as reformas foram realizadas, não foram suficientes para assegurar a salvação da Igreja de São Vicente. Em 1960, a construção já havia ido abaixo e sido substituída por outra — que, dentro de alguns anos, também seria entregue à decadência —, erguida sobre suas ruínas. Foram décadas até que o SPHAN descobrisse sobre a empreitada e cancelasse, de pronto, o tombamento de 1953. A justificativa do órgão foi a “ausência de materialidade [da antiga Igreja de São Vicente] decorrente do seu perecimento”. Hoje, em Itabirito, restam as ruínas dos templos perdidos. Ainda se distingue o contorno de uma fachada contra a vegetação dominante, mas não se sabe o destino das imagens, pinturas e demais peças do seu acervo. Fonte: Arquivo Central do IPHAN, proc. 469-T-1953 (Igreja de São Vicente). Quando as Igrejas e o Convento do Carmo de Mogi das Cruzes foram tombadas pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), em 1967, já se falava na sua demolição. Os protestos foram imediatos quando a medida foi anunciada à Angelino Wissink e à Hilarião Remmerswaal, eclesiástico da Ordem Carmelita. Segundo os carmelitas, nada de “antigo nem de artístico” restava às Igrejas e ao Convento do Carmo. As reformas sofridas pelas construções haviam as deixado “mutiladas”, argumentaram, e já eram compatíveis com as necessidades das “almas confiadas aos cuidados” da ordem. Os carmelitas definiram as construções erguidas entre os séculos XVII e XVIII como “monumentos mortos” de um “peso tremendo” para a cidade. Era necessário, portanto, substituí-las por um templo maior, “moderno” e recheado de “inovações”, compatível com o “progresso” de Mogi. Angelino e Hilarião não estavam sozinhos nesta defesa: ainda em 1967, o SPHAN recebeu 6.184 assinaturas de moradores e eclesiásticos pelo cancelamento do tombamento das Igrejas e do Convento do Carmo. A resposta furiosa do órgão partiu de Lucio Costa, diretor da sua Divisão de Estudos e Tombamentos. Questionando como se poderia, em “sã consciência”, condenar as Igrejas e o Convento do Carmo à “pena de morte”, Lucio relembrou o valor histórico e artístico das construções. As vontades dos “fiéis (ou infiéis)” de Mogi, escreveu, não poderiam justificar a demolição das “testemunhas” das origens e da “tradição” da cidade. Que os carmelitas construíssem seu novo templo em outro local, se quisessem. O Conselho Consultivo do IPHAN determinou, por unanimidade, que as Igrejas e o Convento do Carmo fossem tombadas compulsoriamente. Em 1982, outro tombamento veio do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT). Hoje, as Igrejas e o Convento do Carmo podem ser visitadas no mesmo local que sempre ocuparam, mas com a adição do seu Museu das Igrejas do Carmo, inaugurado em 2005. Fonte: Arquivo Central do IPHAN, proc. 0790-T-67 (Convento e Igreja da Ordem Primeira do Carmo e Igreja da Ordem Terceira do Carmo). É de se imaginar que quando o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) anunciou o tombamento da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, de Porto Alegre, não antecipou a resposta que receberia da Arquidiocese da cidade: nas palavras do vigário-geral Leopoldo Neis, a construção não seria um “monumento artístico” condizente com o estatuto de patrimônio, estando ainda deteriorada e “condenada pelos arquitetos”. A patrimonialização representava, ademais, um obstáculo para os planos da Arquidiocese: que a Igreja do Rosário fosse demolida e substituída por um novo templo. Em 1938, o SPHAN repeliu esses protestos e prosseguiu, compulsoriamente, com o tombamento da Igreja do Rosário. A Arquidiocese de Porto Alegre reagiu em 1940 e acionou o “feliz, fecundo e aplaudido” governo de Getúlio Vargas, que lhe concedeu uma “licença” para “reformar e reconstruir” o templo após suspender seu tombamento. Em resposta, o diretor do SPHAN, Rodrigo M. F. de Andrade, suplicou que a patrimonialização da Igreja do Rosário não fosse “cassada” como ocorrera com a cidade de São João Marcos — caso carioca já discutido neste perfil. Saindo em defesa ferrenha da Igreja do Rosário, Rodrigo acusou a “desorganização progressiva” das políticas de proteção ao patrimônio do país. Vargas voltou atrás. Em uma comunicação que Leopoldo considerou “desoladora”, o presidente determinou que a Igreja do Rosário fosse preservada “integralmente” e solicitou “as medidas necessárias à [sua] utilização atual”. Não obstante, a Arquidiocese de Porto Alegre insistiu que apenas a morte restava ao templo que “jamais” seria uma “obra de arte”. Se a metrópole de Porto Alegre pretendia alcançar o “progresso cultural”, argumentou o arcebispo João Becker, deveria fazê-lo através de medidas como esta. Outra reviravolta: João e a Arquidiocese de Porto Alegre foram atendidos quando, em 1941, o tombamento da Igreja do Rosário foi cancelado sob a rubrica de Vargas por “motivos de interesse público”. Foi-se o templo. Fonte: Arquivo Central do IPHAN, proc. 178-T-39 (Igreja de Nossa Senhora do Rosário) 5/4/2024 0 Comentários Igreja sacrificadaO sacrifício da Igreja de Bom Jesus de Matosinhos, em Minas Gerais, foi defendido pelo seu próprio pároco. Como atestado pelo vai-e-vem de ofícios e telegramas entre as figuras eclesiásticas da cidade e a então Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (DPHAN) durante as décadas de 1960 e 1970, o padre Jacinto Lovato pretendia demolir a construção mencionada no tombamento do Conjunto Arquitetônico e Urbanístico de São João del Rei “para, em seu lugar, erguer outra mais espaçosa”. Logo, Jacinto não estaria sozinho nessa pretensão. Em 1961, o bispo da Diocese de São João del Rei, Delfim Ribeiro Guedes, solicitou ao DPHAN que a Igreja dos Matosinhos fosse ampliada para “servir convenientemente ao culto Divino”. A população da cidade crescia, sugeriu o bispo, e também deveria o templo. A solicitação de Delfim não foi atendida. Ao mesmo tempo, o estado da Igreja de Bom Jesus de Matosinhos se deteriorava. Erguida em 1774, pedia com urgência por serviços de manutenção e de reparo. Milhares e milhares de cruzeiros seriam necessários para que a construção recuperasse seu fulgor — orçamento que o DPHAN compreendeu como inviável. Passaram-se alguns anos e, finalmente, no início da década de 1970, os planos para a demolição da deteriorada Igreja de Matosinhos tornaram-se concretos. Diante dos protestos do DPHAN, os responsáveis — Jacinto, agora apoiado por Delfim e pela Diocese da cidade — prometeram um novo templo “grandioso”, embelezador dos arredores e “sóbrio, mas artístico”. Seguiram adiante, e assim nasceu, no mesmo terreno de sua antecessora, a Paróquia do Santuário Diocesano do Senhor Bom Jesus de Matosinhos. Um fragmento da saudosa Igreja de Matosinhos ainda pode ser encontrado na cidade: uma portada, vendida após a demolição do templo, foi recuperada após uma marcante mobilização jurídico-popular. O produto do “resgate” está em exposição no Museu de Arte Sacra de São João del Rei. Fonte: Arquivo Central do IPHAN, proc. 68-T-38 (Conjunto Arquitetônico e Urbanístico de São João del Rei). 5/4/2024 0 Comentários São João MarcosEm agosto de 1938, o Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, órgão colegiado do então Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), recebeu um fervoroso clamor por correspondência: que a cidade de São João Marcos, no município de Rio Claro, fosse urgentemente defendida de "uma projetada inundação propositada". As palavras eram de Luiz Ascendino Dantas, escritor, ex-funcionário do Ministério da Fazenda e morador da cidade sob ameaça. A "inundação" que assombrava Luiz era prometida pela elevação da barragem do reservatório de Ribeirão das Lajes, produto de uma parceria entre os governos estadual e federal, e a então Companhia de Carris, Luz e Força do Rio de Janeiro. A demanda por energia elétrica havia aumentado, argumentavam estes atores em sucessivos ofícios ao apreensivo Rodrigo Melo Franco de Andrade, diretor do SPHAN, e era necessário abastecer a capital. Não havia "outra solução técnica praticável": com a elevação da barragem, as águas de Ribeirão das Lajes inundariam São João Marcos. Estava decretado o desaparecimento da cidade que havia testemunhado, nos séculos anteriores, a prosperidade cafeeira. O tombamento de São João Marcos, consolidado compulsoriamente pelo SPHAN em 1939 como um vão esforço de proteção, foi suspenso pela rúbrica de Getúlio Vargas no Decreto-Lei nº 2.269, de junho de 1940. Foi a primeira cidade do país a ser patrimonializada, e também a primeira a ser destombada. Hoje, restam as ruínas de São João Marcos, abertas para visitação no Parque Arqueológico e Ambiental de São João Marcos. Foram tombadas, ainda em 1990, pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac). Entre as ruínas da cidade submersa, destacam-se aquelas da Igreja Matriz de São João Marcos. Sua salvação foi, inicialmente, assegurada ao SPHAN pela Companhia de Carris, Luz e Força do Rio de Janeiro. Como o templo do século XIX estava situado em uma elevação do terreno, apontavam os representantes da empresa, não seria alcançado pelas águas de Ribeirão das Lajes. Em vão. Como os teatros, fazendas, clubes, residências, escolas e demais construções da cidade, também a Igreja Matriz de São João Marcos recebeu sua trágica sentença. Fontes: Arquivo Central do IPHAN, proc. 183-T-38 (Conjunto Arquitetônico e Urbanístico de São João Marcos). Portal do Parque Arqueológico e Ambiental de São João Marcos Fundo Benedito Dutra no Acervo Memória da Eletricidade |